Muita gente passa o demais ano à espera do Verão.
É uma fatalidade
meteorológica de que só se livram
os ricos, que, como
dizia Eugenio Granell, vivem
duas vezes. Mas
desesperante mesmo é, ano após
ano, passar o Verão à
espera do Verão, imaginar
o mar, aqui tão
perto, a distensão dos músculos
retesados pela necessidade
do ordenado seguinte,
ganho jorna a jorna,
letra a letra de um romance,
que descreve, com
requintes sinestésicos, a paz
de um Maio que chega
até Setembro sur les galets
des plages de Nice ou mesmo sobre a areia fina
daqui, deste ou daquele lado do Tejo, onde quer
que haja uma esteira, peixe grelhado no carvão,
mulheres sorrindo, e
tempo, tempo, tempo para ler
e não ler, para me
embrenhar num pinhal ou constatar
a minha ignorância
ante a toponímia da terra,
que é, afinal, da
Terra e é mais universal que,
manhã cedo, a corrida
dos coiotes do grande capital
para ver quem
primeiro dá cabo disto tudo
com petróleo,
electricidade, ignorância e comichão
quando a bola das
crianças que jogam no passeio
lhes desfeia o
ridículo brilho dos sapatos.
Miguel Martins
30/11/25
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