domingo, 30 de novembro de 2025

Muita gente passa o demais ano à espera do Verão.

É uma fatalidade meteorológica de que só se livram

os ricos, que, como dizia Eugenio Granell, vivem

duas vezes. Mas desesperante mesmo é, ano após

ano, passar o Verão à espera do Verão, imaginar

o mar, aqui tão perto, a distensão dos músculos

retesados pela necessidade do ordenado seguinte,

ganho jorna a jorna, letra a letra de um romance,

que descreve, com requintes sinestésicos, a paz

de um Maio que chega até Setembro sur les galets

des plages  de Nice ou mesmo sobre a areia fina

daqui,  deste ou daquele lado do Tejo, onde quer

que haja  uma esteira, peixe grelhado no carvão,

mulheres sorrindo, e tempo, tempo, tempo para ler

e não ler, para me embrenhar num pinhal ou constatar

a minha ignorância ante a toponímia da terra,

que é, afinal, da Terra e é mais universal que,

manhã cedo, a corrida dos coiotes do grande capital

para ver quem primeiro dá cabo disto tudo

com petróleo, electricidade, ignorância e comichão

quando a bola das crianças que jogam no passeio

lhes desfeia o ridículo brilho dos sapatos.

 

Miguel Martins

30/11/25

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