(…) Como um arqueólogo, desenterro cidades desaparecidas, mas só há
ruínas, bocados de coisas, é uma tortura. Como ressuscitar esta vida sepultada?
(…) Senti, soube realmente que o que tinha existido já não existia mais, que
tudo enfim morrera. Um punhal no coração; Ah! Se eu pudesse dizer tudo isto aos
outros, para que os outros ficassem a saber que todas estas coisas que estão
mortas foram vivas. A literatura é impotente. Não posso comunicar esta
catástrofe a ninguém, nem mesmo a minha mulher. O insustentável permanece em
nós, fechado. Os nossos mortos ficam connosco.
Como descrever estes lugares, esta paisagem pessoal?
Só aqui fui feliz, isto foi um paraíso, como explicá-lo? (…) Reencontro-vos,
sim, como um escafandrista que não pode fazer voltar à superfície os barcos
naufragados e que tem de fugir porque não se pode viver no fundo do oceano. Nas
profundezas estais, meus tesouros.
Perdidos, mas talvez não completamente, porque, apesar
de tudo, o sinal de que estas coisas estão vivas é esta dilaceração, este
sofrimento amado, insuportável.
Eugène Ionesco
(tradução: Carlos Cunha)
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