quarta-feira, 27 de dezembro de 2017


(…) Como um arqueólogo, desenterro cidades desaparecidas, mas só há ruínas, bocados de coisas, é uma tortura. Como ressuscitar esta vida sepultada? (…) Senti, soube realmente que o que tinha existido já não existia mais, que tudo enfim morrera. Um punhal no coração; Ah! Se eu pudesse dizer tudo isto aos outros, para que os outros ficassem a saber que todas estas coisas que estão mortas foram vivas. A literatura é impotente. Não posso comunicar esta catástrofe a ninguém, nem mesmo a minha mulher. O insustentável permanece em nós, fechado. Os nossos mortos ficam connosco.
Como descrever estes lugares, esta paisagem pessoal? Só aqui fui feliz, isto foi um paraíso, como explicá-lo? (…) Reencontro-vos, sim, como um escafandrista que não pode fazer voltar à superfície os barcos naufragados e que tem de fugir porque não se pode viver no fundo do oceano. Nas profundezas estais, meus tesouros.
Perdidos, mas talvez não completamente, porque, apesar de tudo, o sinal de que estas coisas estão vivas é esta dilaceração, este sofrimento amado, insuportável.

Eugène Ionesco
(tradução: Carlos Cunha)

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