terça-feira, 7 de dezembro de 2021

 


Fui precocemente criança

 

(muitos nunca aqui chegam

ou demoram décadas).

 

Cedo comecei a chapinhar, dissimuladamente,

por sobre:

 

manadas de cavalos                      (leia-se, a natureza);

campos de batalha                        (leia-se, a política);

ocasos                                           (leia-se, a poesia).

 

Com pezinhos de lã, beberricava licores,

surripiava dentaduras na venda do mudo

e o mudo era toda a minha progénie,

toda a minha raison d’être,

se me é perdoado o atavismo.

 

A criança é o pirómano à solta,

antes e depois do incêndio que não chega a lavrar,

o ínfimo, nevrótico, premeditado corte da folha de papel

no sabugo do globo terrestre,

na sua alma mais tenra.

 

E — pasmem — tudo isso nasce da ternura,

sim,

como abóbora da terra,

como a cabeça de Pablo

Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno

María de los Remedios

Cipriano de la Santísima Trinidad

Ruiz

y

Picasso — enorme amor instável de semeador do tempo —

da cona

(nascente do sangue)

da sua confiada mãe.

 

Miguel Martins

07/12/21

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