Sou um naufrágio.
E, na escuridão
silenciosa das profundezas,
cada vislumbre de luz
já pretérita
é um golpe no
decrépito cavername
do meu porão vazio.
Antes de se
extinguirem,
esses fulgores
reverberam pelo côncavo
de todas as
ausências,
da pobreza ontológica
desta solidão inominável
que alguns crêem ser
só resignação,
mas cujas raízes
atravessam a crosta terrestre,
as chamas infernais
dos mantos,
a ignorância dos
núcleos,
chegam ao outro lado
do mundo
e vão buscar a exígua
resistência da sua arquitectura
à aparente aridez de
um ar desolado e puro,
céu sem a animação
cinemática
das alucinações
religiosas.
E, quase sempre,
esses tímidos clarões
não trazem mais que
os vossos rostos,
ou só os vossos nomes,
amigos e amores que a
morte ou a estultícia
tombou pelo caminho
do meu protraimento com bênçãos,
mas que, em certos
dias, hoje, por exemplo,
me parece uma
penitência rumo a parte alguma
ou peregrinação num
beco cuja única saída
seria o perpétuo
olvido
que não consigo
conceber.
Miguel Martins
29/04/24
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