sábado, 31 de agosto de 2024

Não pedes de mais,

aceitas o teu quinhão e as alfaces,

umas viçosas, outras deslambidas,

que assentaram praça no acaso

do tempo e do lugar que te couberam

em sorte ou em azar.

 

À imprevisibilidade dos hálitos alheios,

preferes o interior

de um petit monde, o lar

que esforçadamente foste ameninando

ou o fígado que almofadas

cheio de tento.

 

Lês como quem raspa,

com pé-atrás, um nojo emancipado

ante a concupiscência,

o lucro mais infame,

e, portanto, elencas, tintim por tintim,

a litania da tua abjuração.

 

Tens sentimentos de tarot

e uma lógica empedernidamente séria,

não obstante o ketchup no local do crime,

o orgulho na insolência jactante

e a filharada para mostrar serviço

sempre que os ademanes te atormentam.

 

Activas-te e aprestas-te,

queres deixar sobre a terra uma memória de cinza

como a que gostas de inalar

no silêncio da casa paterna,

onde toda a abjecção é confortável,

ou no teu recanto da biblioteca pública.

 

Não vês?

Não, não vês.

Essas coruscações multiplicam-te

a idade por três;

é o que acontece com a Cerelac

quando a pernosticidade tolda a fome ao bebé.

 

E, hebdomadariamente, gritas.

Grita, menino, grita!

Grita para aí até estourares

com os vitrais da capela onde rezas sozinho

a Nosso Senhor da Escabiose Infrene,

sita algures entre o prelo e a salmodia.

 

Miguel Martins

31/08/24

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