Precisam de saladas, de águas termais, massagens,
de gravações do zunido dos besouros e do arrulho
do beija-flor, para que os seus corpos descansem
de tão pouco trabalho e as suas mentes se alheiem
— por breves instantes — da ambição competitiva
que as comanda, como se a frugalidade fosse um deserto
sem lugar para a podolatria ou para a contemplação
dos fósseis de pterodáctilos e para a inquieta religiosidade
que suscitam. Ou precisarão antes de dilúvios e pragas
de gafanhotos, de grilhetas e galés, do angustiante som
dos amotinados que — atados de pés e mãos —
são deitados à água, para que desejem apenas oxigénio
e uma côdea de pão, para que, num impulso vital,
recordem um enlevo infantil e o manso mistério
da cor das coccinelas e do voo dos dentes-de-leão?
É preciso lembrar o eterno atavismo do berço de Judas
e das garras de gato, as poluções secretas do Inquisidor-
-Mor e o calculismo consciente de todas as mãezinhas
para que agradeçamos os estados de sítio como estados
de graça e nos juntemos à roda vivaz da tarantela,
felizes por não ser dança de São Vito.
Miguel Martins
31/10/24
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