Recordam-se vocês do
bom tempo d'outrora,
Dum tempo que passou
e que não volta mais,
Quando íamos a rir
pela existência fora
Alegres como em Junho
os bandos dos pardais?
C'roava-nos a fronte
um diadema d'aurora,
E o nosso coração
vestido de esplendor
Era um divino Abril
radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na
balsâmina em flor.
Que doiradas canções
nossas bocas vermelhas
Não lançaram então
perdidas pelo ar!...
Mil quimeras de
glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca mais
havemos de cantar!
Nunca mais! nunca
mais! Os sonhos e as esp'ranças
São áureos colibris
das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho
os peitos das crianças.
E quando a neve cai
já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno
chega à nossa alma,então
Os pobres colibris,
coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o
coração vazio,
Para fazer o ninho em
outro coração.
Meus amigos, a vida é
um Sol que chega ao cúmulo
Quando cantam em nós
essas canções celestes;
A sua aurora é o
berço, e o seu ocaso é o túmulo
Ergue-se entre os
rosais e expira entre os ciprestes.
Por isso, quando o
Sol da vida já declina,
Mostrando-nos ao
longe as sombras do poente,
É-nos doce parar na
encosta da colina
E volver para trás o
nosso olhar plangente,
Para trás, para trás,
para os tempos remotos
Tão cheios de
canções, tão cheios de embriaguez,
Porque, ai! a
juventude é como a flor do lótus,
Que em cem anos
floresce apenas uma vez.
E como o noivo triste
a quem morreu a amante,
E que ao sepulcro vai
com suas mãos piedosas
Sobre um amor eterno
— o amor dum só instante —
Deixar uma saudade e
uma c'roa de rosas;
Assim, amigos meus,
eu vou sobre um tesouro,
Sobre o estreito
caixão, pequenino, infantil,
Da nossa mocidade, —
a cotovia d'ouro
Que nasceu e morreu
numa manhã d'Abril! —
Desprender, desfolhar
estas canções sem nexo,
Estas pobres canções,
tão simples, tão banais,
Mas onde existe ainda
um pálido reflexo
Do tempo que passou,
e que não volta mais.
Guerra Junqueiro
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