quinta-feira, 1 de novembro de 2018

É mesmo isto (o que confirma que até um relógio avariado dá horas certas duas vezes por dia)


O novo e importante livro de Francis Fukuyama, ‘Identidades’ (D. Quixote), tem um esclarecedor subtítulo: ‘A exigência de dignidade e a política do ressentimento’. No fundo, explica como essa exigência transformou a política não apenas num combate de ressentimentos mas também de narcisismos. O narcisismo, como diz, não leva ao fascismo – mas “a uma vasta despolitização da sociedade em que as lutas pela justiça social são reduzidas a problemas psicológicos pessoais”. Onde o Estado liberal do século XIX e do século XX tinha como função promover os direitos básicos, manter a lei e assegurar a educação, a segurança e a mobilidade – o Estado contemporâneo visa melhorar a autoestima dos cidadãos, falando-lhes docemente e tratando-os como pacientes numa sessão de terapia e aconselhamento psicológico. Absurdo? Não. Inclusive, os próprios eleitores ficam reconhecidos aos políticos quando eles mentem em serviço, desde que isso os faça sentir melhores, mais otimistas e sem insónias. O livro de Fukuyama mostra como a vida política se transformou num combate de ilusões perigosas.

Francisco José Viegas

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