Gostava de ter conhecido, em pessoa, Mário-Henrique Leiria. São raros
os autores de quem procuro saber dados biográficos: George Orwell, Ernest
Hemingway, Hugo Pratt, poucos mais. E, de Mário-Henrique Leiria, apesar de lhe
conhecer bem a obra, pouco mais sei do que os dados biográficos incluídos no
prefácio de Tania Martuscelli ao primeiro volume das obras completas publicadas
pela E-Primatur. Quer, porém, parecer-me, por mais nada para além do ubíquo gin
dos célebres contos (tónico, anterior e avesso aos aquários com tudo e mais
alguma merda lá dentro), que MHL seria menino para me acompanhar à mesa (ou
balcão), junto com o meu estimado irmão Miguel Martins e bebidas de calibre
espirituoso, em risota pegada acerca das peneiras e respectivos peneirentos que
grassam no chamado panorama da literatura nacional. Sem real incómodo, só
motivo de desbragada galhofa, imbuída, ainda assim, da consciência de que o mal
não é, de todo, geral, e que, em meio a tanto bico do pé gasto por exercício de
presunção e falta de talento, ainda sobra gente séria. Agarrados aos copos,
rindo dos que se agarram aos tachos, apreciando as cabriolas de preconceituosos
escribas que empinam nariz perante outros artesãos da escrita mais
desempoeirados e que, por isso, se prestam a experimentar territórios que as
ditas luminárias consideram menos dignos, iríamos ter dificuldade em respirar,
tal seria o galope da risota. Porque este tipo de medo sentido pelos
supracitados peneirentos, o de levarem um encontrão e caírem do poleiro, é
risível, é notório, é caricato. E triste, dada a estreiteza de vistas que vem
atrelada, a falta de generosidade e de curiosidade e daquela ânsia de saber que
não permite esquecer: escritor é uma condição temporária e tardia; leitor, é-se
antes e para sempre. Gosto de acreditar que o mesmo ímpeto que levou MHL a
abandonar o Grupo Surrealista de Lisboa o levaria também a noitadas destas,
dedicadas a assuntos bem mais importantes, é certo - como, por exemplo, os
«complexos e tremendos problemas da estratégia móvel do Médio Oriente», à
semelhança do que se fazia durante os jantares tácticos em casa de Yaffa, no
conto Felina de MHL -, mas com espaço para pequenos parêntesis deste tipo. Se
nada nos dão no que escrevinham, os presunçosos de pouco ou nenhum interesse,
que, pelo menos, nos divirtam com os seus saltinhos. Relembro o que escreveu
MHL nos seus Contos do Gin-Tonic:
«- Então você não é um escritor.
- Pois não. Quem se atreveu a chamar-me tal coisa? - aí é que me ia
encanizando.»
Ou, como costumo dizer, sem a mesma verve (longe de mim) do grande
Mário-Henrique Leiria: quando as pessoas são brilhantes, até os colhões
atrapalham.
Filipe Homem Fonseca
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