Os meus amigos
estão-se marimbando para os meus poemas.
Gostam do herói de
quatro patas que sei ser quando o sol nos nina
e contrapesam o
sarcófago que me torno ao chegar a nortada;
deixam-me enrolar
tabaco no pano das suas camisas
e guardam silêncio
quando investigo as aves,
pois sabem que a bula
será breve e calará o remetente
da nossa
correspondência quase sempre em branco. Sim,
os meus amigos vieram
de longe para testemunhar o desaparecimento
de quanto me
assemelhava a um ser humano,
excepto, por agora, o
batimento cardíaco e talvez a pele,
conquanto esta se vá
tornando tela e, na sala ou na floresta
ou às portas da
sorte, escorra para o seu redor e o desbote,
em busca de museu,
caruma ou barca. Isso:
os meu amigos só me
lêem as vagas, ora estrepitosas ora mansas,
sempre tentativamente
musicais, chamando a si abandonos
e cantos, suicídios e
orgias, cais aportando a este cais. Vede:
os meus amigos
porfiam em sê-lo até na minha ausência, até aqui,
até no dia de hoje,
anoitecido e esquivo, como um gato doméstico
reaprendendo a caça, lançado
por tormenta em lodaçais.
Miguel Martins
17/04/20
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