Agora, passado há
muito o meio deste livro,
não tenho como escondê-lo
de mim
nem razão para isso: quando
chegar ao fim,
manuseando as
pedrinhas que guardei
nas pregas do
albornoz, darei por certo
o que já sei: saudades
de alguns sítios,
memórias de outros
onde elas se instalaram
ainda antes da
partida, mas nem um só
que me fizesse ficar,
lançando-me ao vento —
ave sem bando ou
rumo, apesar de os não ter.
Com as pessoas passou-se
a mesma coisa: algumas
luzes na água ou
junto dela — balizas ou faróis —,
mas dos portos apenas
a ilusão transitória,
competentemente
afagada por camisolas de lã,
lábios de cera, a
pele em chamas, promessas
de lembrar aquela
história, aquele vinho
logo descontinuado
pela indústria das cinzas.
Das cinzas das
sementes. Da infecundidade.
Desta paternidade de mim
mesmo. Fingindo
não saber da
impossibilidade física de dar colo
ao meu colo, cem
quilos de terra sobre o ar
e outro tanto de
febre a esbracejar sorrisos.
Miguel Martins
05/07/2020
Sem comentários:
Enviar um comentário