quinta-feira, 20 de abril de 2023

 

Deixem-me envelhecer sozinho,

no silêncio intermitente dos grandes foliões,

com a tepidez dos livros forrados a pelica

(ou mesmo a napa),

para afugentar os que neles procuram princípios,

riquezas

ou meros deslumbres pirotécnicos,

não entendendo que o fio de Ariadne é apenas um pentelho,

um enorme pentelho ruivo,

que não conduz a parte alguma

e, por isso, torna a vida merecedora de ser vivida e morrida

com iguais doses de lucidez,

indiferença

e prazer.

 

Só o minete

(o verdadeiro,

frente e verso

e da cabeça aos pés

de uma mulher com frente

e verso

e cabeça

e pés)

ilumina o mundo como um incêndio na casa da infância

ou o estertor sorridente de um animal cansado.

 

O resto é sumaúma com que encher os dias,

a ciranda

entre as águas-furtadas e os subterrâneos

de um prédio de segunda habitação

que, por motivos de falência,

ficou para sempre em estado esqueletal.

 

Miguel Martins

23/04/23

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