Agora, és outra
pessoa,
cheia de banalidades
e pequenas alegrias.
O tempo e a distância
encarregaram-se disso.
Sim, na minha
ausência é costume desmoronarem-se
as encostas, outrora
cuidadosamente escoradas.
Mas, mesmo colocando
de parte o meu ego,
é evidente o encanto
da normalidade,
da paz doméstica e
social
e do correcto
dimensionamento de cada um,
sem megalomanias nem
paióis de pólvora seca,
sem insónias nem
gritos
nem fantasmas de
grandes artistas e pequenos ditadores
(ou vice-versa)
a correrem pela casa.
Não gosto de gatos
nem de crianças,
de celebrações
colectivas e famílias,
de prolongadas
distensões estivais,
nem sei estar
indubitavelmente presente,
como o frasco dos
picles, na prateleira de baixo do armário.
Nunca soube nem fingi
saber – conceder-me-ás isso,
assim como reconheço
que nunca, sequer, senti culpa
por todos os pecados
que pequei e pecarei
enquanto o tabaco não
me paralisar os pulmões.
Os meus dias são
feitos de excessos e vazios
e o vazio excessivo é
a própria matéria por que pugno
o muito tempo todo em
que não me calha compor
estas vagas linhas
sobrepostas
a que insistem em
chamar poesia
mas que são apenas a
minha maneira de bocejar sem sono.
Era impossível
permanecermos juntos –
dizem-mo a razão e a
urgência de um impulso vital
para qualquer coisa
só por ser a seguinte. No entanto,
uma mágoa moinha-me a
pequena hélice do coração,
enquanto, à pressa,
trinco uma sandes de mundo
na cantina do
niilismo (ou vice-versa)
ou conduzo um carro
de vento rumo ao Magreb medieval.
Das horas que
passámos juntos não há remissão
e isso consola-me
como nada mais, num recanto
muito fotogénico da
memória ou talvez disso a que se chama alma.
Espero que esta te vá
encontrar bem,
com meninos à
ilharga, um marido que leia
o Diário de Notícias
e romances históricos
e, apesar de tudo, um
sorriso
ante a imensa
precisão com que coloco uma mão toda
nas feridas dos
outros
para evitar o ardor da tintura de iodo
nas minhas.
Miguel Martins
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