quarta-feira, 10 de julho de 2024

Ao centésimo mês do ano da tristeza,

entraste-me no quarto como um desenho vivo

e, por mais um decénio, deitada sobre a mesa,

descreveste as montanhas do nosso paraíso.

 

Um quarteto de cordas vibrava-te na pele

e de pétalas soltas recompunham-se rosas,

quatro lábios abertos arfando num tropel,

que salivavam loucos, sobre todas as coisas:

 

os poemas incautos de morrer às escondidas

sob o sol destas ruas emporcadas de gente,

e os nossos idílios de toalha estendida

sobre a relva que aguarda esverdear de repente.

 

E, nesse teu fantasma, renasceram-me os olhos,

e, nesse teu regresso, eu voltei a ter sangue

para, logo em seguida, expirar sobre os escolhos

do mar demasiado em que vivi exangue.

 

Mas uma luz imensa atravessou então,

como um diaporama musicado por risos

- oh sublime memória da nossa canção -,

as montanhas mais belas do nosso paraíso.

 

Tudo o mais se eclipsou numa vaga de vento

e, por estranho que fosse, adormeci em paz,

Como se o tempo todo fosse só um momento.

E, neste sono eterno, sou de novo rapaz.

 

Miguel Martins

02/03/17


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