terça-feira, 10 de dezembro de 2024

 

Mas também há os que, entre o tranquilo

e o demoníaco, prescindem do cérebro

e do proverbial coração e sonham com a

caixa torácica, não deixando espaço para o

ar; os que, imprevidentes, desprevenidos,

lançaram as sementes de uma seara indómita,

de uma espécie invasora e incomestível,

que, com ou sem vento, parece rir de tudo e

com cujos grãos crianças, tímidas ou cruéis

(vá-se lá saber…), decoram máscaras de um

carnaval sem data e vão pregá-las às portas

das suas casas de madeira arruinada. Isto

não se passa no Midwest americano nem

num filme de terror — passa-se aqui, enquanto

escrevo estas palavras para pedir piedade

ou impressionar os mais sugestionáveis,

na esperança de uma esmola de água ou luz

ou carne-só-carne ou filosofia capaz de saciar

a escuridão espiritual dos néscios com bornal

a mais para os fracos ombros; passa-se na

duração de uma vela de cera branca, tímida

ou cruel (vá-se lá saber…), a que parece que

se chama vida e que, um dia, não muito perto,

não muito longe, há-de chegar ao fim sem

nunca ter incendiado uma cidade nem

alumiado a pena e o pergaminho de um

anacoreta a quem bastasse estender os magros

dedos para tocar a placenta do segredo mais

invernal de todos os  segredos — o que

está guardado no pequeno baú de tampa

soldada que, desde sempre, todas as mães

escondem no fundo do guarda-fatos da casa

de campo que não têm nem terão e,

provavelmente, por serem mães e, logo,

menos assombradas que os demais, esconjuram

como exorcizam a razão, que vem do nada e

vai, aos tropelões, para nenhures, trôpega barca

condenada às escarpas da demência,

a minha,

esta,

aqui.

 

Miguel Martins

10/12/24

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