segunda-feira, 14 de abril de 2025


 

Lá vem a Nau Catrineta

Que tem muito que contar!

Ouvide agora, senhores,

Uma história de pasmar.

 

Passava mais de ano e dia

Que iam na volta do mar,

Já não tinham que comer,

Já não tinham que manjar.

 

Deitaram sola de molho

Para o outro dia jantar;

Mas a sola era tão rija,

Que a não puderam tragar.

 

Deitaram sortes à ventura

Qual se havia de matar;

Logo foi cair a sorte

No capitão general.

 

– “Sobe, sobe, marujinho,

Àquele mastro real,

Vê se vês terras de Espanha,

As praias de Portugal!”

 

– “Não vejo terras de Espanha,

Nem praias de Portugal;

Vejo sete espadas nuas

Que estão para te matar.”

 

– “Acima, acima, gageiro,

Acima ao tope real!

Olha se enxergas Espanha,

Areias de Portugal!”

 

– “Alvíssaras, capitão,

Meu capitão general!

Já vejo terras de Espanha,

Areias de Portugal!”

Mais enxergo três meninas,

Debaixo de um laranjal:

Uma sentada a coser,

Outra na roca a fiar,

A mais formosa de todas

Está no meio a chorar.”

 

– “Todas três são minhas filhas,

Oh! quem mas dera abraçar!

A mais formosa de todas

Contigo a hei-de casar.”

 

– “A vossa filha não quero,

Que vos custou a criar.”

 

– “Dar-te-ei tanto dinheiro

Que o não possas contar.”

 

– “Não quero o vosso dinheiro

Pois vos custou a ganhar.”

 

– “Dou-te o meu cavalo branco,

Que nunca houve outro igual.”

 

– “Guardai o vosso cavalo,

Que vos custou a ensinar.”

 

– “Dar-te-ei a Catrineta,

Para nela navegar.”

 

– “Não quero a Nau Catrineta,

Que a não sei governar.”

 

– “Que queres tu, meu gageiro,

Que alvíssaras te hei-de dar?”

 

– “Capitão, quero a tua alma,

Para comigo a levar!”

 

– “Renego de ti, demónio,

Que me estavas a tentar!

A minha alma é só de Deus;

O corpo dou eu ao mar.”

 

Tomou-o um anjo nos braços,

Não no deixou afogar.

Deu um estouro o demónio,

Acalmaram vento e mar;

 

E à noite a Nau Catrineta

Estava em terra a varar.

Sem comentários:

Enviar um comentário