sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Caçador Esquimó

Uma capacidade abstractiva que vem de Cesário Verde e que se inspira-movimenta pela nostalgia urbana sem poéticas da falsidade; a poesia é um texto de sinceridade, outra característica de Cesário, sem que se trate de dizer verdades ou mentiras mas de afirmar pelo texto poético uma negação do “eu” que, se está presente, é pelo sistema infalível de alguém que escreveu estes textos sem ter sido substituído por um robot! A negação do “eu” implica que não existe uma afirmação entre lirismo e o escritor. O lirismo de Miguel Martins é “arte povera”. O “eu” não escapa ao escritor mas não se sobrepõe a nada, nem ao texto que possui melancolia sem lirismo, muito menos um lirismo do “eu”, uma fase do poético ultrapassada pela negação do “eu”. Uma negação, entenda-se, que se trata ao nível do éloignement do “eu” em vez de uma afirmação categórica de qualquer identificação entre o escritor e a poesia através do seu eventual lirismo; o estado lírico é antiquado, conservador, medidor-introdutor do valor do “eu” como categoria que afirma valor e imposição que levaria a um eventual patético poético que Cesário Verde e Miguel Martins não praticam. A poesia descreve o surpreendente de alguém que contacta o urbano sem pôr em evidência pormenores que imponham um contexto que valorize os poemas de forma artificial. Uma medida e proporção dos textos que pediriam mais matéria. O sistema de produção da poesia e da literatura reduz a capacidade expressiva à necessidade económica sem que se pense o contrário: que os poemas têm necessidade de se confirmarem numa produção mais vasta. Um madrugar “arte povera” intenso sem peso artificial. Alguma poesia dos autores gregos do século XX terão sido motivos de embarque para esta Ítaca-Citera? Ou os filmes de Angelopoulos? O que estes textos pedem é a duração e não é em poucas páginas que se obterá este resultado inevitável: mais textos!


Alberto Velho Nogueira

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